Por Gustavo Cezar do Amaral Kruschewsky
Notícia alvissareira, portadora de boas novas, está no contexto do artigo publicado por Cavalcanti em 01 de janeiro do andante e elaborado em dezembro de 2013. É prudente que se conheça e opine sobre esse excelente trabalho jurídico! Atente para a referência que se segue: (CAVALCANTI, Roberto Flávio. “Guardas municipais não podem aplicar multas de trânsito”. Jus Navegandi, Teresina, ano 19.n. 3841, 6 jan. 2014. Disponível em:HTTP://jus.com.br/artigos/26292. Acesso em: 23 jan.2014).
São preocupantes as questões que envolvem a “fiscalização” do trânsito no município de Ilhéus! Esse articulista reiteradamente levou a público, através de blogs e Diário de Ilhéus, reclamações que fez à Secretaria de Serviços Urbanos de omissões e ações injustas deste órgão em relação às multas e outras ingerências das Guardas Municipais (de Trânsito?) que se arrastam desde os governos anteriores. Inclusive já intentou Ação Judicial, advogando em causa própria, requerendo nulidade de multa de trânsito por suposto avanço de sinal vermelho. Fora vitorioso em decisão favorável em antecipação de tutela. Fez Representação, em parceria com o colega Advogado Cosme Araújo, junto ao Ministério Público Estadual e Defensoria Pública do Estado da Bahia, solicitando que o Município fosse denunciado por ilicitudes em aplicação de “multas de trânsito”. A Defensoria acionou o Município e teve decisão favorável também em tutela antecipada. Pasmem! Até hoje não houve prolação de sentença dessas duas ações judiciais que já se desenrolam há anos!
Uma de suas lucubrações que expôs publicamente, em jornais e blogs da cidade, questiona a respeito da falta de transparência do Município em relação à arrecadação das supostas multas de trânsito em Ilhéus, considerando o Art. 320 do CTB – Código de Trânsito Brasileiro – que disciplina a exclusividade da aplicabilidade da “receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito”. Na verdade, em Ilhéus não se vê transparência da aplicação da receita das supostas “multas de trânsito”. Ainda no parágrafo único, estabelece o Código que: “o percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação do trânsito”.
Porém, agora o citado jurista ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI, com base legal em doutrina e jurisprudência, aponta no seu artigo que Tribunais do País são majoritários no entendimento de que: “Guardas Municipais não podem aplicar multa de trânsito”. Seguem textos, apontados por esse autor, de algumas Jurisprudências e posições de doutrinadores sobre a referida questão:
“Decisão do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em sua Representação por Inconstitucionalidade n.º 2001.007.00070, Des. Gama Malcher, j. 05/08/2002”. “In verbis”:
“GUARDA MUNICIPAL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO DA COMPETÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. Guarda-Municipal. Representação por Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança pública e controle de trânsito, atividades próprias do Poder Público. As atividades próprias do Estado são indelegáveis, pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do poder de polícia de segurança pública e o controle do trânsito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema de trânsito, dentre elas as Polícias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as Polícias Militares Estaduais. Não tendo os Municípios Poder de Polícia de Segurança Pública, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade especifica – guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio, praças, etc.) sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança publica, mesmo sob a forma de Convênios. Pedido procedente.” Neste acórdão emblemático, consignou-se que: “As Guardas Municipais têm destinação constitucional específica – A proteção dos bens, serviços e instalações municipais (art. 144, §8º da Constituição Federal e art. 183, § 1º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro)”.
Neste acórdão emblemático, consignou-se que:
“As Guardas Municipais têm destinação constitucional específica – A proteção dos bens, serviços e instalações municipais (art. 144, §8º da Constituição Federal e art. 183, § 1º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro).
A Constituição Estadual é expressa em designar quais são os órgãos públicos que compõem o sistema de segurança pública no âmbito estadual:
Art. 183 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a prevenção da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio pelos seguintes órgãos estaduais:
I – Polícia civil
III – Policial Militar
IV – Corpo de Bombeiros Militar’ uma vez que a menção a ‘vigilância intramuros nos estabelecimentos penais e à Polícia Penitenciária’ foi excluída do texto por força do julgamento.
JURISPRUDÊNCIA
A questão da possibilidade da validade das autuações das guardas municipais já foi apreciada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como se pode ler da representação por inconstitucionalidade nº 2001.007.00070, Relator Des. Gama Malcher, j. 05/08/2002, a seguir:
GUARDA MUNICIPAL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO DA COMPETÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE
Guarda-Municipal. Representação por Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança publica e controle de transito, atividades próprias do Poder Publico. As atividades próprias do Estado são indelegáveis pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do poder de policia de segurança publica e o controle do transito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema de transito, dentre elas as Policias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as Policias Militares Estaduais. Não tendo os Municípios Poder de Policia de Segurança Publica, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade especifica – guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio, praças, etc) sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança publica, mesmo sob a forma de Convênios. Pedido procedente.” [GRIFAMOSdefinitivo da ADIN nº 236-8/600 em 07/05/92 do Excelso Pretório (D.J.V. de 15.05.92).
(...)
José Cretella Júnior, nos seus 'Comentários à Constituição de 1988 (Forense Universitária, 1ª ed., vol. II, p. 733) acentua que o 'Poder de Polícia é indelegável, sob pena de falência virtual do Estado' posição amplamente defendida por Álvaro Lazzarini nos seus 'Estudos de Direito Administrativo' (Rev. Tribunais, ed. 1955) que salienta que, em matéria de trânsito os municípios só têm competência para implantar e estabelecer 'política de educação para a segurança de trânsito, conforme autorização do art. XII e seu parágrafo único da Constituição Federal.”
No mesmo sentido:
"APELAÇÃO. AÇÃO VISANDO A ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO, IMPUTANDO AO AUTOR TRANSPOSIÇÃO DE BLOQUEIO VIÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO AFASTADA PELA PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA. CONDUTOR DO VEÍCULO QUE É POLICIAL MILITAR E NO DIA E HORA DA SUPOSTA INFRAÇÃO, ENCONTRAVA-SE PRESTANDO SERVIÇO NO VIGÉSIMO TERCEIRO BATALHÃO, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. ADEMAIS, A GUARDA MUNICIPAL NÃO PODE SER INVESTIDA DE PODER DE POLÍCIA DE TRÂNSITO, SENDO NULAS DE PLENO DIREITO AS MULTAS POR ELA APLICADA. PRECEDENTES DESTA EGRÉGIA CORTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE REFORMA PARA ANULAR O AUTO DE INFRAÇÃO, BEM COMO DETERMINAR O CANCELAMENTO DA PONTUAÇÃO NEGATIVA IMPOSTA. RECURSO PROVIDO" (TJRJ, 2006.001.50281 - apelação cível, DES. LUIS FELIPE SALOMAO - Julgamento: 24/04/2007). [GRIFAMOS]
Nos autos do Processo nº 971572-4, julgado recentemente pela 4ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, com a relatoria do Des. Wellington Emanuel de Moura, assentou-se o entendimento que:
“…falece competência à Guarda Municipal para emitir multas de trânsito.
Isso porque o artigo 144, da Constituição Federal é muito claro a esse respeito, ao estabelecer que “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações” nada mencionando a respeito das infrações de trânsito, cuja competência a priori é exclusiva da Polícia Militar naquele município.
(…)
Ou seja, não é ilícito ao Município a criação das Guardas Municipais. Contudo, suas atribuições estão limitadas e restritas à proteção dos bens, serviços e instalações do município. A regularidade da contratação de seus agentes, estando aptos, em tese, a “exercerem a função de `Agentes da Autoridade de Trânsito’”, também não tem o condão de afastar a nulidade dos atos já praticados.
É por demais sabido que na hierarquia das normas, regra elementar de hermenêutica, a Constituição Federal sempre prevalece em detrimento de qualquer outra. Isso sem olvidar que todos os Poderes da República devem zelar, guardar e cumprir o que determina nossa Carta Magna.
Assim, muito embora o município, em suas razões, tenha procurado justificar seus atos, notadamente apontando Leis Municipais que seriam aplicáveis à espécie, estas não tem o condão de afastar a incidência das regras constitucionalmente asseguradas.
Ausente a competência para a emissão de multas prevista em Lei, ou estando o respectivo diploma legal em flagrante violação ao que preconiza a Constituição Federal, esse ato administrativo é inválido e não tem condições de produzir os efeitos jurídicos que dele se espera, que consistem na imposição da sanção com pagamento em dinheiro mais os pontos na carteira de habilitação, daí a necessidade de revisão desses atos pelo Poder Judiciário e sua declaração de ineficácia, como no presente caso.
Nas palavras de Fernanda Marinela, ao citar o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, “o requisito `sujeito competente’ é classificado como um pressuposto denominado pressuposto subjetivo de validade e leva em consideração as qualidades e exigências do sujeito como condição para a validade do ato, dependendo sempre de previsão legal.” [GRIFAMOS]
Traga-se à baila, ainda, excertos do acórdão prolatado pela 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da Apelação Cível de nº 2007.001.29853:
“Seja como for, de início se concede que uma primeira leitura do texto do art. 24, VI c/c o art. 280,§ 4º, ambos do CTB, poderia levar a entender que as multas aplicadas pelos integrantes do Município (leia-se: integrantes da Guarda Municipal ) teriam validade e, portanto, seriam validadas.
Tal conclusão, contudo, viola o regramento constitucional, pois em se consultando o contido no art. 144, § 8º da carta política, lá consta especificamente que das funções às quais se destinam as guardas municipais, a saber: proteção dos bens, instalações e serviços da municipalidade, não figura o policiamento de trânsito em geral e nem o lançamento de multas em particular.
(…)
E nem poderia ser diferente, haja vista a que diante da colisão entre o preceito da norma constitucional e aquele constante de lei ordinária, como apresentado acima, se pode dizer, com tranqüilidade, que o âmbito do CTB não está e nem pode estar a legitimar tal atuação dentro do âmbito municipal, eis que as esferas de competência (ou atuação, como se preferir) de um e de outro se revelam como excludentes.
Se a norma é inconstitucional, ela simplesmente não se aplica o que se diz, se destaca, com base não em declaração incidental de inconstitucionalidade, mas sim com base em precedente do Colendo Órgão Especial, cuja fundamentação é relevante e que se aplica ao caso em apreciação.”
A matéria constante deste último acórdão encontra-se pendente de julgamento em Recurso Extraordinário (RE 637539), cuja relatoria é do Ministro Marco Aurélio, já tendo sido acolhido o requisito do pré-questionamento.
CONCLUSÃO
Muito embora o STF ainda não tenha pacificado a questão da fiscalização do trânsito por parte das guardas municipais, esta possibilidade vem sendo diuturnamente afastada pelos tribunais pátrios”.
A Corte Suprema entende que o artigo 144, § 8º da Constituição Federal deve ser interpretado de forma literal, não abarcando as guardas municipais no sistema de segurança pública nacional.
A doutrina entende que a fiscalização no trânsito é atividade integrante da “ordem pública”, sendo assunto afeto à segurança pública, rechaçando a tese das municipalidades de que, em conformidade com o artigo 30, inciso I, seria “assunto de interesse local”.
Portanto, fica entendido que a guarda municipal não tem atribuição de autuar e multar motorista de veículo automotor. Isto é competência do Estado e/ou da União! Ademais, é bem de ver que o § 2º do ARt. 146 da Constituição do Estado da Bahia, recepciona preceito Constitucional e reafirma que “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações na forma da Lei. Por outro lado, a mesma Constituição Estadual da Bahia é silente quando trata “Da Competência do Município”, não aludindo em momento nenhum que compete aos Municípios exercerem serviços de atribuição da SEGURANÇA PÚBLICA.
Só resta agora na cidade de Ilhéus a abertura urgentemente de uma CEI – Comissão Especial de Inquérito. Os motoristas que foram multados deverão procurar orientação jurídica a fim de tomarem providências cabíveis. Finalmente, considera-se, portanto, que o ART. 24 e seus incisos do CTB – Código de Trânsito Brasileiro nasceram mortos, estão eivados de inconstitucionalidade juntamente com outros artigos do CTB. É possível também, através de Órgãos como OAB ou Ministério Público, o ajuizamento de uma Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade – com referência mormente ao Art. 24, seus incisos e respectivos parágrafos do CTB – Código de Trânsito Brasileiro.
Gustavo Kruschewsky é pós-graduado em Direito Processual Civil e atua como professor e advogado. Ele é autor do livro Natureza Jurídica do Recurso Cível.
http://www.odefensorcosmearaujo.com.br
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